O ANJO CAÍDO
(da obra Folhas Caídas)
Era um anjo de Deus
Que se perdera dos céus
E terra a terra voava.
A seta que lhe acertava
Partira de arco traidor,
Porque as penas que levava
Não eram penas de amor.
O anjo caiu ferido
E se viu aos pés rendido
Do tirano caçador.
De asa morta e sem esplendor
O triste, peregrinando
Por estes vales de dor,
Andou gemendo e chorando.
Vi-o eu, n anjo dos céus,
O abandonado de Deus,
Vi-o, nessa tropelia
Que o mundo chama alegria,
Vi-o a taça do prazer
Pôr ao lábio que tremia
E só lágrimas beber.
Ninguém mais na terra o via,
Era eu só que o conhecia
Eu que já não posso amar!
Quem no havia de salvar?
Eu, que numa sepultura
Me fora vivo enterrar?
Loucura! Ai, cega loucura!
Mas entre os anjos dos céus
Cantava um anjo ao seu Deus;
E remi-lo e resgatá-lo,
Daquela infâmia salvá-lo
Só força de amor podia.
Quem desse amor há-de amá-lo,
Se ninguém o conhecia?
Eu só, – e eu morto, eu descrido,
Eu tive o arrojo atrevido
De amar um anjo sem luz.
Cravei-a eu nessa cruz
Minha alma que renascia,
Que toda em sua alma pus,
E o meu ser se dividia,
Porque ela outra alma não tinha,
Outra alma senão a minha...
Tarde, ai! tarde o conheci,
Porque eu o meu ser perdi,
E ele à vida não volveu...
Mas da morte que eu morri
Também o infeliz morreu.
RAMO DE CIPRESTE
À Exª Srª D. Ana Leite de Teive
(da obra Flores sem fruto)
A esta frente desbotada
De angústias e dissabores
Não cabe o louro da glória
Hera as rosas dos amores:
A triste fado votada,
Sem renome, sem memória,
Nem terá piedosas flores
Sobre a campa abandonada.
Sei que do negro cipreste
Só me toca a palma obscura...
Mas nem essa rama escura
Que por tuas mãos colheste,
Nem essa quis a ventura
Que me viesse coroar...
Tão cruel é minha estrela
Tão funesto é meu pesar.
À mão inocente e bela
Que o triste ramo colheu,
Por mui alto para meu,
Volta pois o dom fatal:
Mas fica, esse sim, o agoiro
Que profetiza o meu mal.
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– Oh! quando faminta espada
Ou sibilante peloiro
Houver enfim terminada
A amarga, penosa vida...
Ao menos – se, assim pedida,
Mercê tal é de outorgar –
Desses teus olhos divinos
Uma lágrima sentida
Venha piedosa os destinos
Do proscrito vate honrar.
Alexandre Herculano
MOCIDADE E MORTE
(da obra A harpa do Crente)
Solevantado o corpo, os olhos fitos,
As magras mãos cruzadas sobre o peito,
Vede-o, tão moço, velador de angústias,
Pela alta noite em solitário leito.
Por essas faces pálidas, cavadas,
Olhai, em fio as lágrimas deslizam;
E com o pulso, que apressado bate,
Do coração os estos harmonizam.
Ë que nas veias lhe circula a febre:
É que a fronte lhe alaga o suor frio;
É que lá dentro à dor, que o vai roendo,
Responde horrível íntimo cicio.
Encostando na mão o rosto aceso,
Fitou os olhos húmidos de pranto
Na lâmpada mortal ali pendente,
E lá consigo modulou um canto.
É um hino de amor e de esperança?
É oração de angústia e de saudade?
Resignado na dor, saúda a morte,
Ou vibra aos céus blasfémia d'impiedade?
É isso tudo, tumultuando incerto
No delírio febril daquela mente,
Que, balouçada à borda do sepulcro,
Volve após si a vista longamente.
É a poesia a murmurar-lhe na alma
Última nota de quebrada lira;
É o gemido do tombar do cedro;
É triste adeus do trovador que expira
.
Júlio Diniz
UMA RECORDAÇÃO
(da obra Poemas)
Lembra-me ver-te ainda infante,
Quando nos campos corrias
Em folguedos palpitantes;
Eras bela! e então sorrias.
Depois, na infância, eras inda,
Junto ao cadáver rezavas
De tua mãe, com dor infinda;
Eras bela! e então choravas.
Num baile vi-te valsando
Da juventude nos dias,
Todos de amor fascinando;
Eras bela! e então sorrias.
Dias depois encontrei-te;
Nos céus os olhos fitavas;
Sem me veres contemplei-te;
Eras bela! e então choravas.
Quando ao templo caminhando
Entre flores e alegrias,
De esposa a vida encetando,
Eras bela! e então sorrias.
Quando na campa do esposo
Com teu filho ajoelhavas,
Grupo inocente e saudoso!
Eras bela! e então choravas.
Num ataúde deitada
Eu te vi em breves dias,
Mimosa flor desfolhada!
Eras bela! e então sorrias.
Sorrindo, na vida entraste,
Sorrindo deixaste a vida;
Alguma flor que encontraste
A espinhos a viste unida.
Sim, às vezes tu sorrias,
E os sorrisos o que são?
Quase sempre profecias
Das penas do coração.
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